sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Onde afundam as nossas raízes? - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 Onde afundam as nossas raízes?

Ano C – Tempo Comum – 6º domingo
Lucas 6,17.20-26: "Bem-aventurados vós, pobres... Mas ai de vós, ricos!"

O Evangelho de hoje apresenta-nos as Bem-aventuranças na versão de São Lucas. O texto se estrutura em quatro bem-aventuranças e quatro advertências, marcadas por quatro "bem-aventurados" e quatro "ai de vós". Jesus declara bem-aventurados os pobres, os famintos, os aflitos e os perseguidos; e adverte os ricos, os saciados, os que riem e os que são aclamados pelo povo.

Se por um lado essas palavras de Jesus nos fascinam, por outro, nos causam certo desconforto, pois apresentam parâmetros que chocam profundamente com a mentalidade corrente. Quem pode realmente dizer-se pobre e faminto? Talvez aflito e perseguido, às vezes. São Mateus de certa maneira as "espiritualiza": "Bem-aventurados os pobres em espírito", "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça"… Já São Lucas as "materializa" sem concessões.

O nosso espírito intui a verdade e a beleza dessa nova visão de vida, encarnada na própria pessoa de Jesus, mas a mente logo começa a relativizá-la, considerando-a irrealista, enquanto o inconsciente tenta suprimi-la o mais rápido possível. De fato, é uma graça deixar-se interpelar por esta palavra. Pois é grande a tentação de dizer, como em outra passagem: "Essa palavra é dura! Quem pode escutá-la?" (João 6,60).

Nesta palavra, como em tantas outras do Evangelho, acontece o que disse o profeta Jeremias: "Minha palavra não é, talvez, como o fogo – oráculo do Senhor – e como um martelo que despedaça a rocha?" (23,29). Noutro trecho, ele afirma que a palavra, dentro das entranhas, causa uma grande dor de estômago (4,29). Qual melhor desejo, então, senão o de sair da celebração dominical com "uma grande dor de barriga"? Seria um sinal de que estamos no caminho certo. A alternativa, afinal, é ir embora tristes, como o jovem rico! Ouvir esta palavra cura-nos e salva-nos do perigo de levar uma vida sem sentido.

O contexto deste Evangelho

São Lucas diz-nos que Jesus se retirou para o monte, sozinho, e passou a noite inteira em oração. Jesus é o Mestre da oração porque ensina a partir da sua própria experiência. O evangelista destaca que Jesus sempre rezava antes das grandes decisões. O relato continua dizendo que, pela manhã, Jesus chamou a si todos os seus discípulos e escolheu doze, a quem chamou apóstolos (Lc 6,12-13).

Depois, Jesus desce com seus discípulos e para num lugar plano. Enquanto em São Mateus Jesus faz o seu discurso no monte, símbolo da proximidade com Deus, São Lucas situa-o na planície, símbolo da proximidade com as pessoas, onde pode ser facilmente alcançado por todos. De fato, "havia uma grande multidão de seus discípulos e uma imensa multidão de gente", vinda de todas as partes "para ouvi-lo e serem curados de suas doenças". Toda a multidão tentava tocá-lo, "porque dele saía uma força que curava a todos" (Lc 6,17-19).

Nesta vasta cena humana, Jesus, levantando os olhos para os discípulos, proclama as bem-aventuranças. O Senhor ergue o olhar porque fala de baixo. Deus é humilde e não se posiciona acima de nós.

Algumas observações

Bem-aventurados vós, pobres, porque vosso é o Reino de Deus.
Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados.
Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque rireis.
Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem... por causa do Filho do Homem.

Notamos que:

  • Na Sagrada Escritura, já encontramos esta forma literária de bem-aventuranças e de maldições (veja-se a primeira leitura de Jeremias e o Salmo 1). Os rabinos, no tempo de Jesus, também a utilizavam. 
  • Enquanto São Mateus apresenta as bem-aventuranças numa forma sapiencial, enunciando-as na terceira pessoa do plural: "Bem-aventurados os pobres", São Lucas adota um estilo profético, mais direto, dirigindo-se aos discípulos na segunda pessoa do plural: "Bem-aventurados vós, pobres".
  • Cada bem-aventurança é acompanhada de um "porque", mas qual é a razão fundamental dessas afirmações tão paradoxais? Jesus não consagra nem idealiza a pobreza. A pobreza, a fome, a aflição e a perseguição são realidades negativas a serem combatidas. A boa notícia é que Deus não tolera essas injustiças, tão difundidas neste nosso mundo, e assume a causa dos pobres. Jeremias, na primeira leitura, afirma que a verdadeira bem-aventurança nasce da confiança no Senhor: "Bendito o homem que confia no Senhor, e o Senhor é sua confiança". 
  • Na primeira bem-aventurança, Jesus usa o verbo no presente: "Bem-aventurados vós, pobres, porque vosso é o Reino de Deus", enquanto nas outras emprega o futuro. Como explicar isto? As bem-aventuranças possuem uma dimensão já presente, mas também uma projeção futura rumo à sua plena realização. Paradoxalmente, portanto, na própria experiência do sofrimento é possível encontrar alegria. Um exemplo eloquente é o dos apóstolos Pedro e João, que, depois de serem açoitados, "saíram do Sinédrio felizes por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus" (Atos 5,41). 

De forma simétrica, Jesus apresenta quatro advertências, os quatro "ai de vós":

Mas ai de vós, ricos, porque já recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados, porque tereis fome.
Ai de vós, que agora rides, porque vos lamentareis e chorareis.
Ai de vós, quando todos os homens falarem bem de vós...

Notamos que:

  • Enquanto na versão de São Mateus Jesus se limita a proclamar as oito bem-aventuranças (mais uma voltada diretamente aos discípulos), na versão lucana encontramos apenas quatro, mas com a adição de quatro "ai de vós", em contraposição aos "bem-aventurados vós". 
  • O termo "ai de vós" era usado em contexto profético para anunciar desgraças. No entanto, esses "ais" de Jesus não são maldições, mas expressões de dor e compaixão. Poderiam ser traduzidos como "que pena por vós". Enquanto as bem-aventuranças são como uma felicitação aos "bem-aventurados", os "ai de vós" têm o tom de uma mensagem de pêsames. 
  • Porque é que Jesus adverte os ricos? Não se trata de uma visão classista. É verdade que a riqueza muitas vezes está associada à injustiça, que gera pobreza e sofrimento. No entanto, a parábola do rico e do pobre Lázaro não se concentra na origem da riqueza, nem afirma que o rico tenha cometido algum crime, mas mostra a sua condenação por ter ignorado o pobre à sua porta (Lucas 16,19-31). 
  • O profeta Jeremias é categórico: "Maldito o homem que confia no homem e põe na carne seu sustento, afastando seu coração do Senhor". Confiar nos bens não só fecha o coração aos irmãos, mas também conduz à idolatria. 

Para reflexão pessoal

As bem-aventuranças são o caminho proposto por Jesus para a felicidade, para ter uma existência bela, fecunda e significativa. O profeta Jeremias compara a felicidade a uma árvore sempre verde e frutífera, cujas raízes se estendem em direção ao rio. Em contraste, uma vida não enraizada em Deus é como o tamarisco do deserto que "não verá o bem chegar, habitará em lugares áridos no deserto, numa terra salgada, onde ninguém pode viver". Tudo depende, portanto, de onde afundamos nossas raízes. Onde afundam as minhas?

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

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