A conversão ecológica do espírito!
Ano C – Quaresma – 1º domingo
Lucas 4,1-13: “Nem só de pão viverá o homem”
Com
a imposição das cinzas na quarta-feira, entrámos no tempo santo da
Quaresma. Este período retorna todos os anos e pode parecer uma simples
repetição, como o ciclo das estações, mas na realidade é sempre
diferente, pois nunca nos encontra na mesma condição do ano anterior e
traz uma nova graça para cada um de nós.
A palavra Quaresma vem do latim quadragesima,
que significa "quadragésimo dia" antes da Páscoa, indicando assim a
duração deste período litúrgico. Os quarenta dias são contados da
Quarta-feira de Cinzas até o Domingo de Ramos, que marca o início da
Semana Santa. Existe uma ligação simbólica entre esses dois momentos: as
cinzas usadas no rito da Quarta-feira de Cinzas são obtidas (se
possível) a partir da queima dos ramos de palmeira abençoados no ano
anterior.
Tecnicamente,
os dias entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingo de Ramos são 39
segundo a nossa forma de contar, mas 40 segundo o cálculo bíblico, que
inclui tanto o primeiro quanto o último dia da série. Outro método de
contagem exclui os domingos – que sempre têm uma conotação pascal – e
faz a Quaresma terminar no Domingo de Páscoa.
O
número quarenta tem um forte valor simbólico na Bíblia. Encontramos
este número em vários episódios significativos: os quarenta anos de
caminhada de Israel no deserto, os quarenta dias de jornada do profeta
Elias até o monte Sinai, os quarenta dias concedidos a Nínive para se
converter e os quarenta dias que Jesus passou no deserto entre o seu
batismo e o início do ministério público.
1. Das cinzas ao fogo!
A
liturgia faz-nos iniciar a Quaresma com um sinal muito forte: a
imposição das cinzas! As cinzas simbolizam a nossa realidade: uma vida
apagada, reduzida a um resíduo de sonhos e esperanças desfeitos, imersa
numa rotina monótona, marcada por necessidades e deveres, sem nada que
possa despertar um entusiasmo e uma alegria duradouros, capazes de
resistir ao impacto das provações da nossa existência. Talvez o fogo
ainda esteja sob as cinzas, mas sem alimentação ele está enfraquecendo e
ameaça apagar-se. Precisamos de um forte e decidido sopro de vento que
varra as cinzas e reacenda o fogo. Esta é a obra do Espírito, que neste
tempo santo age intensamente para nos conduzir ao Fogo novo da Noite de
Páscoa!
2. O domingo das tentações
O
Evangelho do primeiro domingo da Quaresma sempre nos apresenta o
episódio das tentações de Jesus, segundo os três evangelhos sinóticos.
Logo após o batismo, que marca uma viragem decisiva na sua vida e
missão, Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto da Judeia, perto do
Mar Morto. Ali o espera Satanás, o "adversário".
Este
ano lemos a versão de São Lucas. Depois da experiência de intimidade
trinitária, Jesus é "impelido para fora" para enfrentar a dureza da
vida, numa profunda solidariedade com a humanidade. O Espírito Santo não
mantém a pessoa que acredita "segura", talvez numa "igreja fortaleza"
protegida de todos os riscos, mas lança-a no meio do mundo, no coração
da batalha contra o mal.
Hoje,
junto com Jesus, também nós somos conduzidos pelo Espírito ao deserto
para enfrentar a tentação. A Quaresma é uma academia de exercício
espiritual para aprendermos com Cristo como desmascarar a serpente,
evitar as suas armadilhas mortais e derrotá-la.
3. As três tentações cardinais
Jesus
é submetido a três tentações: do Pão, do Poder e do Prestígio. Elas
representam o resumo ou a matriz de todas as tentações da vida humana.
Por isso, podemos dizer que são as três tentações cardinais, os pilares
de toda tentação. Elas dizem respeito a três âmbitos fundamentais das
nossas relações: com os bens, com os outros e com Deus.
O texto sagrado diz que Jesus foi "tentado pelo diabo". A palavra "diabo" (do grego diábolos e do hebraico satan)
significa "aquele que divide". Esse é o objetivo final do tentador:
dividir-nos! Dividir-nos interiormente, separar-nos uns dos outros e
afastar-nos de Deus.
Como
leva ele adiante a sua intenção? Apresenta-se como um conselheiro,
propondo a Jesus o método mais eficiente e rápido para se tornar um
Messias de sucesso, o Rei dos reis que o povo esperava.
O
tentador tenta levar Jesus a escapar da sua condição humana e a
aproveitar dos privilégios e poderes da sua condição divina: "Estás com
fome? Diz a esta pedra que se transforme em pão!". Mas Jesus recusa
trapacear. Quantas vezes o diabo também nos sugeriu tirar proveito da
nossa posição?
O
diabo até se apresenta como colaborador de Jesus, oferecendo-lhe poder e
glória sobre todos os reinos do mundo. Mas para aceitar, Jesus deveria
adotar os métodos diabólicos: impor-se pela força, usar a violência,
pisotear os outros, aliar-se com os poderosos… Quantas vezes, ao longo
da história, a Igreja caiu nessa armadilha! Quantas vezes também nós,
"por um bem maior", recorremos a meios errados! Enquanto houver um poder
dominador, haverá injustiça, e o Reino de Deus não poderá realizar-se!
A
terceira tentação é a mais subtil e acontece em Jerusalém, no Templo.
Trata-se de pedir a Deus um sinal como fizeram tantos vocacionados
bíblicos, mas também colocar Deus à prova, como fez Israel no deserto:
"O Senhor está no meio de nós, sim ou não?" (Êxodo 17,7). Quantas vezes
também nós colocamos Deus à prova, pedindo sinais ou intervenções para
resolver problemas nossos? No fundo, isso significa instrumentalizar
Deus, reduzindo-o a um ídolo.
4. A ecologia do espírito
Vencer
essas três tentações significa empreender uma autêntica e profunda
conversão ecológica: restabelecer uma relação saudável e correta com a
terra, com as pessoas e com Deus. As três práticas quaresmais podem nos
ajudar nesse percurso:
- O jejum lembra
que a terra não é um simples "bem de consumo". As criaturas têm sua
consistência, vida e beleza, que devem ser respeitadas. Elas não existem
para serem devoradas pelo nosso apetite voraz e insaciável.
- A caridade lembra
que a relação autêntica com os outros é a do amor e do serviço,
testemunhada por Jesus. Todo poder dominador é diabólico.
- A oração convida a renovar a nossa relação pessoal com Deus na gratuidade amorosa e na confiança filial.
Para a reflexão pessoal
- Prepare seu programa quaresmal. Simples, como um lembrete constante para aproveitar este "tempo forte" de graça.
- Leia e medite a mensagem do Papa para a Quaresma: clique aqui.
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
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