sábado, 5 de julho de 2025

Cordeiros no meio de lobos - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

Cordeiros no meio de lobos

Ano C – XIV Domingo do Tempo Comum
Lucas 10,1-12.17-20: “Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos”

O Evangelho de hoje relata-nos a experiência missionária dos setenta e dois discípulos enviados por Jesus “dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele próprio havia de ir”. Depois de já ter enviado os Doze (cf. Lc 9,1-6), agora Jesus envia mais setenta e dois. São Lucas é o único evangelista a relatar este episódio. Detenhamo-nos em cinco aspetos do relato.

1. Já não só os Doze, mas os setenta e dois

O Senhor designou outros setenta e dois.”
O número 72 tem um significado simbólico: alude à universalidade da missão. Segundo a chamada “tabela das nações” (Génesis 10, na versão grega dos LXX), havia 72 povos na Terra. Alguns manuscritos e a tradição judaica referem o número 70. Os rabinos afirmavam que Israel era como um cordeiro rodeado por setenta lobos, e todos os anos, no Templo, sacrificavam-se setenta bois pela conversão desses povos.

Os Doze representam o novo Israel, as doze tribos; os Setenta (ou setenta e dois), representam a nova humanidade. Além disso, 72 é múltiplo de 12: representa, assim, a totalidade dos discípulos. A missão não é responsabilidade exclusiva dos apóstolos, mas de todo o povo de Deus.

A Igreja não cessa de sublinhar a urgência do anúncio missionário. Mas, infelizmente, muitas vezes com poucos resultados. Numa época de rápida e dramática descristianização do Ocidente, parecemos preocupados apenas em conservar a única ovelha que ficou no redil, dando as outras noventa e nove por perdidas.

2. Precursores

Enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele próprio havia de ir.”
Jesus envia-os dois a dois: a missão é uma tarefa comunitária. Mas porque os envia à sua frente? Não deveria ser Ele a ir primeiro? Sim, o Senhor precedeu-nos, mas agora, terminada a sua missão, começa a nossa: preparar o seu regresso.
Tal como João Batista preparou a sua primeira vinda, hoje somos chamados a preparar a sua segunda. Não por acaso, São Lucas utiliza aqui o título “o Senhor”, de conotação pascal, e não simplesmente “Jesus”.

“O seu nome será João”, disse Zacarias. Hoje, simbolicamente, o Senhor diz a cada um de nós: “O teu nome será João/Joana”. O nome indica a missão. Esta missão assenta em duas tarefas essenciais:
– Anunciar uma mensagem breve e concisa: “Está próximo de vós o Reino de Deus”;
– “Baptizar”, não com água como João, mas mergulhar as pessoas no amor de Deus, através de relações fraternas e do cuidado pelos mais frágeis: “Curai os doentes”.

Talvez hoje seja necessário inverter a ordem: primeiro “baptizar” a realidade quotidiana – família, trabalho, escola, sociedade – com o amor de Deus; depois, no tempo oportuno, anunciar o Reino. Como sugere São Pedro: “Estai sempre prontos a responder a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1Pd 3,15).

3. Lobos e cordeiros

Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos.”
As instruções de Jesus sobre a missão são desconcertantes. Compreendemos o apelo à oração – alma de toda a missão –, mas porque tanta insistência no despojamento do missionário?

As imagens fortes usadas por Jesus mostram que a missão se realiza na fraqueza e na pobreza, à imagem do Mestre que “a si mesmo se esvaziou, assumindo a condição de servo” (Fil 2,7). A missão exige renunciar a qualquer forma de poder humano, para que fique claro que é Deus quem age. Talvez seja precisamente a tentação do poder a origem dos mais graves escândalos e pecados da Igreja.

Jesus envia-nos pobres – ricos apenas na confiança em Deus – como cordeiros no meio de lobos. É forte, porém, a tentação de nos tornarmos também lobos, usando as mesmas armas do inimigo quando temos oportunidade.

As leituras de hoje mostram-nos o contexto muitas vezes dramático da missão. Isaías fala de luto antes da consolação; Paulo fala da cruz e dos estigmas do Senhor; o Evangelho fala de lobos, serpentes, escorpiões, do poder do inimigo, e da possível rejeição da mensagem e dos mensageiros.

No entanto, Jesus não nos envia para o massacre. Ele confere-nos o seu poder: “Dei-vos poder para pisar serpentes e escorpiões e sobre toda a força do inimigo: nada vos poderá causar dano.” Assim o apóstolo antecipa os tempos escatológicos em que “o lobo habitará com o cordeiro” (Is 11,6).

4. A paz

Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’”
No difícil contexto da missão, Jesus convida-nos a oferecer paz. É um tema central em todas as leituras deste domingo.
Deus, através de Isaías, promete: “Eis que farei correr para Jerusalém, como um rio, a paz.” Infelizmente, hoje este rio parece seco. A paz é dom e responsabilidade. Hoje mais do que nunca, precisamos urgentemente de “filhos da paz”, como diz Jesus. Mas nós, seus discípulos, somos realmente isso nos nossos sentimentos, palavras e ações?

5. A alegria

Os setenta e dois voltaram cheios de alegria.”
A alegria é o outro grande tema que une as leituras de hoje. É fruto da paz. A alegria cristã não é aquela efémera e enganosa do mundo, nem uma leviandade superficial que ignora a dor e a injustiça.

A alegria do cristão convive frequentemente com o sofrimento e a perseguição. Essa alegria das bem-aventuranças é um dom que exige, contudo, “a coragem da alegria” (Bento XVI). Manifesta-se na paz profunda do coração, semelhante à calma do mar em profundidade, mesmo quando à superfície a tempestade ruge.

É esta a “alegria plena” que Jesus nos deixou em herança durante a ceia da sua despedida. Uma alegria garantida: “Ninguém vos poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16,22).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj



P. Manuel João Pereira Correia mccj
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