domingo, 17 de agosto de 2025

Acontecimento trágico. Temas para reflexão Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

 Crónicas PÁRA E PENSA

Acontecimento trágico.

Temas para reflexão

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Esta é a notícia trágica: nos últimos cinco anos

suicidaram-se na Índia pelo menos 13 padres

católicos — em média, um a cada seis meses; nos

primeiros cinco meses deste ano de 2025, já se

suicidaram dois... Evidentemente, a situação é

alarmante e obriga a Igreja na Índia, e não só, a

uma reflexão profundíssima.

Não vou entrar directamente no tema. Mas,

aproveitando este acontecimento trágico e o

facto de estarmos ainda no início de um novo

pontificado, deixo aí três momentos de reflexão

inevitável, que não pode de modo nenhum

continuar a ser adiada, tanto mais quanto,

mesmo entre nós, o número de padres está em

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queda vertiginosa, aumentando sem cessar o

número de paróquias sem padre.

Em termos simples.

1. A Igreja não pode impor como lei o que

Jesus entregou à liberdade. Que é que isto quer

dizer? É necessário acabar com a lei do celibato

obrigatório para os padres. Aliás, essa lei é

relativamente recente e, mesmo hoje, há padres

na Igreja católica normalmente com família — é

o caso na Igreja oriental ou de convertidos da

Igreja anglicana. Concretizando, pergunta-se:

porque é que, dentro de determinados critérios,

não hão-de voltar ao ministério padres que

tiveram de abandonar levados pelo amor e

constituindo família?

2. Jesus não discriminou as mulheres.

Assim, a Igreja também não pode discriminá-las

também no que se refere aos ministérios. Isso é

contra a vontade de Jesus e contra os direitos

humanos. Herbert Haag, talvez o maior exegeta

do século XX, a quem devo o favor de ser um

querido amigo, insistiu constantemente — veja-

se o seu livro “A Igreja Católica ainda tem

futuro?” — que nos primeiros séculos houve

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mulheres que presidiram à Eucaristia; então,

porque é que o que foi possível no princípio não

há-de ser possível hoje?

3. Pode escandalizar, mas é um facto: Jesus

foi leigo, não pertencia à classe sacerdotal. Aliás,

nesta linha, o Novo Testamento evitou a palavra

hiereus (sacerdote). Só mais tarde (século III) é

que a Eucaristia, que era um banquete festivo

dos cristãos no qual se fazia memória da Última

Ceia e dos muitos banquetes de e com Jesus, foi

interpretada como sacrifício ritual, dando

origem, consequentemente, aos sacerdotes,

seguindo-se daí que a Igreja ficou dividida em

duas classes: o clero (ai o clericalismo!) e os

leigos.

4. A Igreja vai continuar a precisar de

ministérios para as diversas funções e serviços?

É claro que sim.

Neste contexto, quero chamar a atenção

para que Bento XVI, quando era apenas

professor Joseph Ratzinger, falou em dois tipos

de padres: uns que continuariam na sua vida

normal, na sua família, nas suas profissões, mas

que as comunidades escolheriam, depois de

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provas dadas, para presidir à comunidade,

orientá-la...; outros que, optando livremente

pelo celibato, escolheriam dedicar a sua vida

integralmente à Igreja, estando entre as suas

tarefas a coordenação e formação dos outros

padres...

5. Neste contexto de temas e problemas, é

inevitável e imprescindível rever toda a questão

da formação nos Seminários, com uma vivência

que corre o risco de fugir à realidade como ela é,

com a ausência do universo feminino e de todas

as exigências até económicas da vida actual e

formando jovens para uma vida que vai ser

tantas vezes de exigência e solidão insuportável

numa sociedade que hoje já não é sequer

sociologicamente cristã. Os padres devem

cuidar; e quem cuida deles?...

Sábado, 16 de Agosto de 2025

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