A SEMANA VERMELHA
E A ESPERANÇA DE FUTURO
Frei Bento Domingues,
O.P.
30 Novembro 2025
1. O Papa Leão XIV foi à Turquia e ao Líbano de 27/11
a 02 de Dezembro, em viagem ecuménica por ocasião do 1 700º aniversário do
Concílio de Niceia. Foi um concílio verdadeiramente ecuménico, embora tenha
sido convocado pelo Imperador Constantino, em 325, e cujas consequências não
foram todas boas.
Isto não significa um ecumenismo de retorno ao estado
anterior às divisões, nem um reconhecimento mútuo do actual status
quo da diversidade das Igrejas e das Comunidades eclesiais, mas um
ecumenismo voltado para o futuro, de reconciliação no caminho do diálogo, de
troca dos nossos dons e patrimónios espirituais.
É este o espírito com que Leão XIV realiza esta viagem,
publicando uma Carta Apostólica – In Unitate Fidei (Na Unidade da Fé)
– dirigida a toda a Igreja.
Como afirma nessa Carta, «para podermos desempenhar este
ministério de forma credível, devemos caminhar juntos para alcançar a unidade e
a reconciliação entre todos os cristãos. O Credo de Nicéia pode ser a base e o
critério de referência deste caminho. Propõe-nos efetivamente um modelo de
verdadeira unidade na legítima diversidade. Unidade na Trindade, Trindade na
Unidade, porque a unidade sem multiplicidade é tirania, a
multiplicidade sem unidade é desintegração.
A dinâmica trinitária não é dualista, como um aut–aut excludente[i], mas sim um
vínculo envolvente, um et–et: o Espírito Santo é o vínculo de
unidade que adoramos juntamente com o Pai e o Filho. Devemos, portanto, deixar
para trás as controvérsias teológicas, que perderam a sua razão de ser, para
adquirir um pensamento comum e, mais ainda, uma oração comum ao Espírito Santo,
para que nos reúna a todos numa única fé e num único amor».
2. A situação actual exige espírito e práticas
ecuménicas que tendem ao respeito mútuo e à colaboração com todos. O grande
trabalho das Igrejas cristãs consiste no reconhecimento da liberdade
religiosa, na promoção dos Direitos Humanos.
A semana que passou, designada Semana Vermelha
(16-23) foi uma iniciativa da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
(AIS) para alertar sobre a perseguição aos cristãos. A iniciativa consistiu
em iluminar de vermelho edifícios e monumentos em todo o mundo para combater a
indiferença sobre esta situação.
De facto, a perseguição aos cristãos é um problema histórico
e contemporâneo, com várias manifestações, principalmente na África e Ásia.
Relatórios recentes indicam um aumento significativo no
número de cristãos perseguidos, que sofrem com assassinatos, prisões,
sequestros e ataques a igrejas, embora não ignoremos o passado violento entre
religiões. O desenvolvimento do espírito e da prática do movimento ecuménico
tornou-se a única atitude reconhecida pela Igreja.
O Papa Leão XIV (16/11) não nos deixa esquecer a situação
actual dos cristãos que sofrem discriminações e perseguições em várias partes
do mundo. Penso em particular, disse ele, em Bangladesh, Nigéria, Moçambique,
Sudão e outros países, dos quais chegam frequentemente notícias de ataques a
comunidades e locais de culto. Isto obriga a que se faça dos Direitos Humanos e
da liberdade religiosa o grande objectivo da fraternidade universalidade, Fratelli
Tutti. Não bastam afirmações de circunstância, como se uns dias fossem para
a fraternidade e outros para a indiferença.
Que podemos nós fazer? Desde a catequese de crianças e
adultos, movimentos de jovens, associações de cristãos devem ser ajudados a
pensar e a agir de forma ecuménica. A grande tentação é ignorar e desprezar a
diferença. A importância da Semana Vermelha foi a de chamar a atenção
para os mundos da violência, como sendo expressões longínquas que nada teriam a
ver connosco e nós com elas. O grande movimento a suscitar é o de vencer a indiferença.
É talvez o maior inimigo dos movimentos de PAZ.
3. O Cristianismo é, por essência, uma janela aberta
para o futuro universal, de crentes e não crentes[ii]. Nunca os cristãos se
podem contentar com o presente. O grande presente é o futuro aberto. O advento
é a forma de não deixar os cristãos esquecidos do que falta viver e fazer. É o
momento da esperança. Não temos direito a pensar e dizer: não há remédio, não
há nada a fazer, está tudo perdido! Cristo é quem nos precede sempre.
Pensemos e meditemos na visão de Isaías, o grande profeta do
Advento, que hoje a liturgia nos propõe: «No fim dos tempos, o monte do templo
do Senhor estará firme, será o mais alto de todos e dominará sobre as colinas. Acorrerão
a ele todas as gentes, virão muitos povos e dirão: Vinde, subamos à montanha do
Senhor, à casa do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós
andaremos pelas suas veredas.
Julgará as nações e dará as suas leis a muitos povos, os
quais transformarão as suas espadas em relhas de arados e as suas lanças, em
foices. Uma nação não levantará a espada contra outra e não se adestrarão mais
para a guerra. Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor[iii].
Devemos fazer deste texto, não só um sonho, mas uma
inquietação pelo futuro. O Advento é também o tempo da decisão radical. Os
presépios são o símbolo desse cristianismo. Nunca se pode esquecer o gesto do
burguês Francisco de Assis, que se despiu de todos os negócios, de toda a
riqueza e se tornou o Irmão universal.
O que, nesta viagem, o Papa aponta não é apenas diálogo inter-religioso,
mas a reconciliação de todos os mundos. Ele foi em nome da paz e da fraternidade.
Apesar de todas as dificuldades, não temos direito a perder
a esperança. Recorremos, mais uma vez e não será a última, à inspiração do
profeta Isaías: «Brotará um rebento do tronco de Jessé, e um renovo brotará das
suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito
de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito
de ciência e de temor do Senhor. Não julgará pelas aparências nem
proferirá sentenças somente pelo que ouvir dizer; mas julgará os
pobres com justiça e com equidade os humildes da terra. A justiça
será o cinto dos seus rins e a lealdade circundará os seus flancos. Então,
o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o
novilho e o leão comerão juntos e um menino os conduzirá. A vaca
pastará com o urso e as suas crias repousarão juntas; o leão comerá palha como
o boi. A criancinha brincará na toca da víbora e o menino
desmamado meterá a mão na toca da serpente. Não haverá dano nem
destruição em todo o meu santo monte, porque a terra está cheia de conhecimento
do Senhor, tal como as águas que cobrem a vastidão do mar[iv].
a poesia, como
transfiguração da linguagem, anuncia a mudança que nos falta fazer, o desafio ao
qual não podemos fugir.
Acolher o advento de Cristo na nossa vida é o coração da fé
cristã que nos oferece a esperança, nos tempos difíceis que vivemos.
Sem comentários:
Enviar um comentário