domingo, 30 de novembro de 2025

Construir a nossa arca - P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

Construir a nossa arca

Ano A – Advento – 1º Domingo
Mateus 24,37-44:
“Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.”

Com o primeiro domingo do Advento inicia-se um novo ano ou ciclo litúrgico: o ano A, no qual meditamos o Evangelho de Mateus. É o Ano-Novo da nossa vida de fé! De fato, o ano litúrgico não coincide com o ano civil. Começa no primeiro domingo do Advento e conclui-se na semana de Cristo Rei. Não se trata simplesmente de uma repetição cíclica dos mistérios da fé cristã. O Mistério nos encontra em uma situação pessoal diferente, e a vida da Igreja e do mundo também mudou. Poderíamos falar de um avanço em espiral.

1. O Advento: uma tríplice vinda

Advento, do latim Adventus, significa vinda, a Vinda de Cristo. Mas, quando falamos da vinda de Cristo, não se trata apenas de recordar sua visita no passado, mas de reavivar a nossa esperança na promessa do seu retorno. Porém, entre o passado e o futuro, existe a realidade da sua manifestação no presente: Cristo veio e virá, mas ELE VEM hoje, atualizando para nós sua visita de Belém e antecipando sua chegada no fim dos tempos.

São Bernardo diz a esse respeito: «Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Na primeira ele veio na fraqueza da carne; na última virá na majestade da glória. Uma vinda oculta situa-se entre essas duas que são manifestas. Esta vinda intermediária é, por assim dizer, um caminho que une a primeira à última: na primeira Cristo foi nossa redenção, na última se manifestará como nossa vida, e nesta é nosso descanso e nossa consolação».

2. Em caminho, acompanhados: as figuras do Advento

Quatro personagens nos acompanharão neste tempo de Advento:

- ISAÍAS, o profeta que encontraremos na primeira leitura destes domingos. Ele é o profeta que, sete séculos antes de Cristo, contempla e anuncia a vinda do Messias e nos convida à ALEGRIA messiânica. Ele nos fala portanto com verbos no futuro. Esse futuro iniciado com a chegada do Messias, contudo, ainda está em curso.
Na primeira leitura de hoje (Is 2,1-5), ele já contempla a paz definitiva: «Transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices; uma nação não levantará a espada contra outra, e não aprenderão mais a arte da guerra.». Jesus, porém, despedindo-se dos seus, fala de guerras: «Nação se levantará contra nação e reino contra reino» (Mt 24,7). A situação desde o tempo de Jesus não mudou — pelo contrário. Basta olhar o cenário mundial de guerras e conflitos. Estima-se que existam no mundo mais de um bilhão de armas leves, 85% delas em mãos de civis!

- JOÃO BATISTA, que — no segundo e terceiro domingos — com palavras de fogo nos chama à CONVERSÃO para preparar a vinda de Cristo: «Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo!... Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!»

- JOSÉ e MARIA, que — no quarto domingo — nos convidam a CONCEBER o Senhor no ventre do nosso coração, na obediência e no amor.

3. Quem esperamos: o amigo ou o ladrão?

Jesus utiliza várias imagens para falar do seu retorno, mas três são particularmente significativas: o ESPOSO que chega na noite (Mt 25,1-13, parábola das dez virgens); o PATRÃO da casa que chega de surpresa (Mt 24,43; Mt 25,14-30, parábola dos talentos); e o LADRÃO que irrompe na noite (Mt 24,43-44).

O Senhor, certamente, deseja ser esperado como esposo ou amigo. Não podemos ignorar, porém, que às vezes sua chegada nos intimida, como o patrão ao servo. Ele é o Senhor a quem devemos prestar contas. Contudo, não é um patrão autoritário, mas aquele que aprecia nosso serviço e se dispõe a nos fazer sentar à mesa para ele mesmo nos servir (Lc 12,37).
Mas o que dizer da intrigante imagem do ladrão? Permitam-me uma alusão pessoal.

Em 1998, pregando um retiro espiritual em Lima (Peru), tocou-me de modo especial o aviso de Jesus à comunidade de Sardes: «Se não fores vigilante, virei como um ladrão, sem que saibas a que hora venho a ti» (Ap 3,3). Intuía que essa visita seria particularmente dolorosa. Desde então, durante anos, acompanhei-me desta oração: “Senhor, não me visites como ladrão! Visita-me como amigo! E, se por acaso me encontrares distraído, bate à porta do meu coração como um amigo insistente, e bate, bate, até que eu seja obrigado a abrir-te. Mas não venhas a mim como ladrão!”
Quando, alguns anos mais tarde, recebi o diagnóstico da minha doença (ELA), brotou espontaneamente “Senhor, visitas-me mesmo como ladrão!” Mas fiz uma descoberta: até a visita como ladrão é graça! Sempre que a doença me tirava algo, o Ladrão me deixava algo ainda mais precioso. E assim, cada visita sua, misteriosamente, me enriquecia.

Um conselho: faz-te amigo do Ladrão, e cada visita sua será graça!

4. O domingo de Noé

O tempo do Advento, que nos conduz ao Natal, desenvolve-se em quatro domingos, correspondendo aos quarenta dias da Quaresma em preparação à Páscoa. Cada domingo tem sua fisionomia. O primeiro poderíamos chamar de domingo de Noé, porque Jesus recorda essa figura para interpretar o tempo da sua vinda: «Como foram os dias de Noé, assim será a vinda do Filho do Homem».
Este domingo convida-nos à VIGILÂNCIA, na espera do retorno do Senhor.
Os contemporâneos de Noé «não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou». São Paulo, na segunda leitura (Rm 13,11-14), exorta-nos a ter bem presente «em que tempo estamos: Chegou a hora de nos levantarmos do sono». Ser conscientes do momento que estamos vivendo é hoje mais urgente do que nunca. Consequentemente, Jesus nos diz no Evangelho: «Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».

Precisamos reconhecer que também nós vivemos demasiado distraídos. A distração e a superficialidade são “o vício supremo da nossa época” (R. Panikkar). Corremos o risco de viver também nós “sem darmos por nada”, arrastados pelos acontecimentos, engolidos pela rotina, fazendo muitas coisas sem lhes dar sentido ou direção.

A evocação de Noé e da sua arca, neste primeiro domingo de Advento, não me parece casual. Na verdade, o relato de Noé e da sua arca fala de nós e do nosso tempo! Ondas e tsunamis de todos os tipos ameaçam hoje, mais do que nunca, a vida de todos e o nosso planeta!
Cristo é o verdadeiro Noé, aquele que construiu a Arca da Nova Aliança, de comunhão de vida entre o céu e a terra. Cada um, contudo, é chamado a ser um novo Noé e a construir uma arca interior, no próprio coração, para acolher e proteger a vida.

Uma proposta para este Advento: construir uma “arca” — cada um a sua, pessoal, segundo a própria vocação e habilidade — para proteger uma dimensão específica da vida ou pessoas que correm o risco de ser submersas pelas ondas agitadas da existência!

P. Manuel João Pereira Correia, mccj


Sem comentários:

Enviar um comentário