domingo, 7 de abril de 2024

RELIGIÃO OU MISERICÓRDIA? Frei Bento Domingues, O.P. 07 Abril 2024

 

1. A Suma de Teologia de S. Tomás de Aquino, contra as aparências, é uma vasta obra de iniciação a uma forma de Teologia Medieval. Depois de condenada, pelas suas ousadas inovações, tornou-se um monumento de teologia da Igreja. Assisti, uma vez, a uma sua apresentação com este comentário: é um grande monumento acerca de nada, porque Deus não existe, dizia o apresentador.

Tomás de Aquino também dizia que a existência de Deus não é evidente. É preciso mostrá-la. As suas tentativas de mostrar que Deus existe percorrem várias vias de investigação. Este Santo Pregador não era ateu. Era, pelo contrário, um místico, mas de olhos abertos sobre toda a realidade que lhe era apresentada, fosse ela qual fosse. Tinha, acerca das ciências humanas e das filosofias, uma concepção em que as obras da razão e da fé se robusteciam mutuamente.

O primeiro objectivo da sua Teologia partia do princípio que «o propósito principal da doutrina sagrada está em transmitir o conhecimento de Deus não apenas quanto ao que Ele é em si mesmo, mas também enquanto é o princípio e o fim das coisas, especialmente da criatura racional. Para expor esta doutrina, temos de tratar: 1. de Deus; 2. do movimento da criatura racional para Deus; 3. do Cristo, que, enquanto homem, é para nós o caminho que leva a Deus.

A consideração de Deus será tripartida: 1. O que se refere à própria essência divina; 2. O que se refere à distinção das Pessoas [divinas]; 3. O que se refere às criaturas enquanto procedem de Deus.

Quanto à essência divina, deve-se considerar: 1. Deus existe? 2. Como é Ele ou, antes, como não é? 3. Como age, isto é, a sua ciência, a sua vontade e o seu poder?

Acerca da realidade primeira, são três as perguntas: 1. A existência de Deus é evidente por si mesma? 2. Pode-se demonstrá-la? 3. Será que Deus existe?»[1].

A Teologia negativa ou teologia apofática é a menos inadequada para falar de Deus. Se por um lado a teologia afirmativa faz proposições e descrições acerca de Deus e dos seus atributos, a teologia negativa segue o caminho oposto: ela percebe que toda a descrição que a inteligência humana consegue elaborar sobre Deus está muito aquém daquilo que Deus é. A teologia negativa percebe que todo o esforço de racionalidade, tentado definir Deus e os seus atributos, acaba por limitar Deus, porque Este ultrapassa todo e qualquer esforço racional. De Deus só podemos saber o que Ele não é e não o que é, não se trata tanto de considerar como Ele é quanto não é[2].

2. Hoje, celebramos o Domingo da Misericórdia. Não devia ser uma surpresa. O Papa Francisco dedicou-lhe um ano inteiro, dizendo que a misericórdia é a missão da Igreja. Todos já ouvimos falar das Misericórdias, como instituições dedicadas à realização do amor que Deus nos tem e a partilhar os Seus dons, segundo a pergunta concreta: em que posso eu ajudar-te?

 Tomás de Aquino diz que a Misericórdia é a realidade suprema atribuída a Deus e S. Lucas diz-nos que devemos ser misericordiosos como o nosso Pai é misericordioso[3]. Podemos, então, perguntar: religião ou misericórdia?

Deus não gasta religião. Da religião e dos seus actos de devoção, oração, sacrifício, etc., precisamos nós para nos situarmos correctamente, neste mundo, em relação a Deus, de quem somos, e para que essa referência seja vivida pela pessoa toda, de forma excitante. Mas aquilo que nos faz contactar com o próprio Deus e com o mundo, segundo o coração de Deus, é a fé, a esperança, o amor, a vida teologal[4].

A Misericórdia – plenitude da justiça e da verdade de Deus, nome de combate contra a miséria – é o nome que mais convém Aquele que não cabe em nome nenhum[5]. É a raiz mais funda do mundo, da Incarnação de Deus e do testemunho de Jesus até à morte, à verdade do amor que se encontra, perdendo-se, perdendo-se por todos os perdidos da terra[6].

A Misericórdia brota da fonte trinitária e das suas viagens criadoras e recriadoras, obra de diferenciação e união dos seres humanos entre si e com Deus. Dom do Espírito Santo que é a alma da Igreja, lei daquilo que mais conta no Novo Testamento e torna tudo o resto secundário. Lei do amor libertador, habitação que nos habita[7].

A virtude da Misericórdia não é uma virtude entre outras, mas a alma de toda a energia divina e humana. Fora da Misericórdia não há salvação!

 

 



[1] Tomás de Aquino, Suma Teológica, Prólogo da q. 2

[2] Ibidem, Prólogo da q.3

[3] Lc 6,36-38

[4] Suma Teológica, II-II q. 81, 5-7

[5] Ibidem, I q. 21; q. 13

[6] Ibidem, I q. 20, 2; I q. 45, 7; III q. 1,1-3; III q.46-47

[7] Ibidem, I q. 8; q. 43; I-II q. 106-108; III q. 2, 10; q. 6, 6; q. 7-8

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