sábado, 23 de novembro de 2024

O Homem: questão para si mesmo 15. Pensar significa transcender Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia 17 Novembro 2024

 O Homem: questão para si mesmo

15. Pensar significa transcender
Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

17 Novembro 2024

Houve tempos em que o mês de Novembro era dedicado aos mortos e à meditação sobre a
morte. Isso hoje não acontece nem se permite que aconteça. Vivemos realmente em sociedades
que fizeram da morte tabu, o último tabu. Na realidade, se tradicionalmente tabu era o sexo,
hoje o sexo está às escâncaras por toda a parte. E vivemos em sociedades do ter, do consumir,
da corrupção, do imediatismo, submersos a dedar na alienação das redes sociais, numa correria
louca não se sabe para onde, enfim, no niilismo... E aí estão as depressões, os suicídios, o vazio
ameaçador da falta de sentido...

Nunca fui de modo nenhum favorável ao pensamento mórbido da morte, que envenena a vida
com o medo e o terror, usados também muitas vezes pela Igreja para aterrorizar as consciências
e exercer o poder.

Quero um pensamento sadio da morte por causa da vida. Conscientes do limite, viver
intensamente. Quando? Agora. E com dignidade e fazendo de nós e da sociedade o que
verdadeiramente queremos. Com tempo e a tempo... Ai!, como o pensamento sadio da morte
acabaria com tanta vaidade oca e toda a procissão de ilusões, boçalidades, malquerenças...

Aqui, na perplexidade, lembro sempre o filósofo ateu religioso, Ernst Bloch, o filósofo da
esperança com quem tive o privilégio de conversar. O núcleo do seu pensamento encontra-se na
obra O princípio esperança, com a enciclopédia de todas as esperanças. Para ele, “o importante
é aprender a esperar”, mas sem ilusões. De facto, por mais longe que se vá na erradicação dos
males que nos afligem, ficará sempre a morte.

Não acreditava em Deus, mas, “onde há esperança, há religião”. Na juventude, admitiu a
reencarnação. Na maturidade, teorizou sobre “o núcleo do Humanum extraterritorial à morte”.

Lá está: “por dignidade pessoal nego-me a que o Homem acabe como o gado”; “a desesperança
é em si, tanto em sentido temporal como objectivo, o insustentável, o insuportável em todos os
sentidos” e “não me resigno a que a última melodia que escutarei sejam as pazadas de terra
despejadas sobre os meus despojos”.

O teólogo J. Moltmann contou-me que, poucos dias antes da morte, lhe perguntou como reagia
a este desafio, tendo ele respondido: “estou curioso” note-se, porém, a força da palavra alemã
“neugierig”, com o sentido de ansioso por novidades. Moltmann também escreveu que “na
véspera de morrer, ao entardecer, ele escutou mais uma vez a sua música mais querida, a
abertura de Fidelio, de Beethoven, com o sinal das trombetas para a libertação dos cativos no
final”. Essa passagem, que associava à Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, 13, 16:
“quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor
descerá dos céus e os que morreram em

Cristo ressuscitarão primeiro”, sempre o comovera. É que, como escreveu, “em Beethoven, pré-
anuncia-se a chegada de um Messias. Erguem-se desde as masmorras sons de liberdade e de
recordação utópica. O grande momento chegou, a estrela da esperança cumprida no aqui e
agora.” A mim também me confessou o que também escreveu: “o cristianismo venceu em
grande parte graças à proclamação de Cristo: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida’”.

A última vez que fui a Tubinga, passei pelo cemitério para uma homenagem. O que estava
escrito na lápide tumular: “Denken heisst Überschereiten” (Pensar significa transcender).
Aí está o que mais faz falta nas nossas sociedades: Pensar.

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