A Grande Burla de Deus
XXXIV Domingo do Tempo Comum (B)
Jesus Cristo Rei do Universo
João 18,33-37: “Eu sou Rei!”
A Grande Burla de Deus
Hoje,
último domingo do ano litúrgico, celebramos a solenidade de Nosso
Senhor Jesus Cristo Rei do Universo. Esta festividade foi introduzida
pelo Papa Pio XI em 1925, num período histórico marcado pelas
dificuldades e turbulências do pós-guerra. O Papa Pio XI estava
convencido de que apenas a proclamação da realeza de Cristo sobre todos
os povos e nações poderia garantir a paz. Com a reforma litúrgica
pós-Concílio Vaticano II, a festividade foi colocada no final do ano
litúrgico, como sua conclusão natural.
O
texto do Evangelho é tomado do relato de São João sobre o
interrogatório de Jesus perante Pilatos, o procurador romano. A narração
desenvolve-se em torno do tema da realeza de Jesus. No centro do relato
está a paródia da coroação real de Cristo, com a coroa de espinhos e o
manto de púrpura, encenada pelos soldados. O termo "rei/reino/realeza"
(em grego basileús/basileía) aparece quatorze vezes no relato, com uma
menção adicional a César. Essa realeza é reivindicada por Jesus, usada
sarcasticamente por Pilatos e pelos soldados romanos, e rejeitada pelos
judeus.
Essa
finura literária joanina apresenta o episódio como uma verdadeira
"epifania", uma revelação da realeza de Cristo. Deve-se destacar também o
sentido de liberdade que Jesus transmite em todo o relato, contrastando
com a incerteza e o medo de Pilatos. No final, o julgado revela-se o
verdadeiro Juiz (Jo 19,8-11).
Dessa
forma, cumpre-se o que dizem os Salmos: “Riem de mim todos os que me
veem” (Sal 22,8); “Mas tu, Senhor, zombas deles, ris de todas as nações”
(Sal 59,9); “Rirá aquele que habita nos céus; o Senhor zombará deles
[...]: ‘Eu mesmo consagrei o meu Rei sobre Sião, minha santa montanha’”
(Sal 2,4-6). O nosso desejo (não tão secreto) de "sentar-nos num trono"
(seja de que tipo for) aparece, aos olhos de Deus, como uma triste
farsa. São Paulo, refletindo sobre o agir de Deus na vida de Jesus,
conclui: “O que é loucura para o mundo, Deus escolheu para confundir os
sábios; o que é fraco para o mundo, Deus escolheu para confundir os
fortes” (1 Cor 1,27).
A
ressurreição do Rei Crucificado revela o que estava oculto aos nossos
olhos: o Senhor reina do trono da cruz. “Por isso Deus o exaltou e lhe
deu o Nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus todo
joelho se dobre no céu, na terra e debaixo da terra” (Filipenses
2,9-10). No terceiro dia teve início a "revanche" de todos os oprimidos e
vencidos da história.
Pontos de Reflexão
As leituras propostas pela liturgia ajudam-nos a aprofundar alguns aspectos da realeza de Cristo proclamada no Evangelho.
1.
Primeira Leitura (Daniel 7,13-14): “Sobre as nuvens do céu, veio alguém
semelhante a um filho do homem.” Realeza e HUMANIDADE.
A
este Filho do Homem, “Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza”.
Sua realeza é universal, estável e eterna. Esta figura misteriosa
aparece depois que Daniel viu quatro grandes, terríveis e espantosas
bestas saírem do mar, símbolo das potências hostis a Deus. As quatro
bestas mitológicas representam os quatro impérios anteriores:
opressivos, sanguinários e arrogantes.
Esta
"visão" do profeta ilumina o gesto de Pilatos que apresenta Jesus à
multidão, dizendo: “Eis o Homem!” (19,5). Apenas um poder humilde,
expresso no serviço, nos torna verdadeiramente humanos. Outro tipo de
poder é... bestial!
Todos
temos algum poder sobre os outros: por papel social, trabalho,
comunidade, Igreja... Mas como o exercemos? Todo poder pode ser exercido
em nome de Deus, se vivido no estilo de Jesus: “Eu estou no meio de vós
como aquele que serve.” Esta é a realeza do cristão, recebida no
batismo: uma realeza que liberta e humaniza. Caso contrário, torna-se um
poder inspirado pela Besta, que escraviza!
2. Salmo Responsorial (Salmo 92): “O Senhor é rei, revestiu-se de majestade.” Realeza e HUMILDADE.
O
Salmista celebra a realeza de Deus. Onde quer que Deus reine, sua
majestade brilha, sua força se manifesta e uma nova ordem se estabelece,
onde a justiça habita permanentemente. Sua realeza é humilde. Deus não
precisa de ostentar nem impor seu poder. Ele é “Aquele que é”. Sua
realeza revela-se na humildade. Por isso o Magnificat da Virgem Maria é o
mais belo hino de louvor à realeza de Deus!
3.
Segunda Leitura (Apocalipse 1,5-8): “Jesus Cristo é a Testemunha fiel, o
Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra.” Realeza e
VERDADE.
Jesus
é a Testemunha. O Evangelho explicita-o: “Para isso nasci e vim ao
mundo, a fim de dar testemunho da verdade.” Pena que a liturgia omitiu a
reação de Pilatos a essa afirmação de Jesus: “O que é a verdade?” Esta
pergunta, muitas vezes retórica e com uma dissimulada autossuficiência,
torna-se um atalho que também nós utilizamos para evitar
confrontarmo-nos com uma verdade incómoda. Preferimos relativizar tudo
para justificar uma verdade conveniente.
O
que é a verdade? O que Jesus teria respondido a Pilatos? “Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida!” (João 14,6). O que é a verdade? É “a
transparência do amor!”, responde Maurice Zundel, teólogo e místico
suíço (1897-1975).
Como podemos viver e honrar a realeza de Cristo? Tornando-nos transparência do amor de Deus no mundo ao nosso redor.
Pe. Manuel João Pereira Correia, MCCJ
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