sábado, 22 de fevereiro de 2025

A ditadura da imagem e a pobreza do símbolo Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia Sábado, 22 de Fevereiro de 2025

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Crónicas PÁRA E PENSA

A ditadura da imagem

e a pobreza do símbolo

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Sábado, 22 de Fevereiro de 2025

No século VIII, no contexto da ameaça

militar e religiosa do islão a Bizâncio, a

tradição cristã viu-se confrontada com a

pureza radical do monoteísmo islâmico e a

sua proibição das imagens. Os imperadores

bizantinos mandaram destruir as imagens e

os seus defensores foram perseguidos como

idólatras. Embora esta luta dos iconoclastas

tenha acabado com a vitória dos iconódulos

(veneradores das imagens), pois Jesus

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Cristo é a imagem visível de Deus, nunca

deveria esquecer-se que Deus é

infinitamente transcendente e, se o Homem

foi criado à imagem e semelhança de Deus,

Deus não é à imagem do Homem.

Diz-se perante certas imagens: vale mais

uma imagem que milhares de palavras.

Pense-se, por exemplo, naquelas imagens

televisivas das crianças esfomeadas no

mundo — pequenos andaimes de ossos a

soçobrar, num olhar suplicante e quase

morto —, e o soco que nos dão no estômago

e na alma.

Aqui, porém, do que se trata é da

civilização da imagem, daquela civilização

que quer a visualização de tudo. Trata-se

daquilo para que uma aluna uma vez me

chamou a atenção. Ela tinha feito um

trabalho sobre A Sociedade do espectáculo, de

Guy Debord, um dos breviários da geração

de 68, e disse-me: “Viu a transmissão

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televisiva do funeral do Papa João Paulo II?

Aquilo era espectáculo, donde o mistério da

morte foi arredado. Logo a seguir, em

sequências vertiginosas, lá estavam imagens

publicitárias e futebol: tudo o mesmo.” Ah!

A alienação com o futebol: “pensar com os

pés” (Carlos Fiolhais)!

Há perigos na civilização da imagem?

Nela, por paradoxal que pareça, julga-se

que se está perante a hiper-realidade, mas o

que se vai impondo é o virtual, com a

consequente perda da realidade real.

Depois, é isso: a vertigem de imagens e

de informações, em voragem. Mas, então,

onde está o tempo da possibilidade de

distanciamento e de crítica? Ah!, e a própria

crítica, se existe, tem de ser dada em

espectáculo, dissolvendo-se então com ele e

nele, pois, como escreveu José María

Mardones, mais do que permitir a reflexão e

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a crítica, do que se trata é de vender e

“seduzir”.

Na civilização da imagem, importante

não é ser, mas parecer e aparecer. Quem

não aparece existe? Por isso, lá dizem os

políticos, e não só eles, que decisivo é

aparecer, mesmo se se diz mal deles.

De novo José Maria Mardones: o

predomínio da imagem, com a pretensão de

mostrar tudo, até a interioridade do sujeito,

tem outra consequência perversa: “o

esvaziamento da intimidade”. Por causa

disso, eu fui uma vez à televisão para

prevenir e chamar a atenção para a

necessidade da distinção não apenas do

público e do privado, mas do público, do

privado e do íntimo. De facto, não anda

para aí tudo desavergonhadamente

escancarado, sem réstia de pudor?...

O símbolo, esse, abre para a

profundidade do real e para o mistério e

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vincula à transcendência. Na civilização da

imagem, onde a realidade é o que se mostra,

vive-se na imediatidade do que há, do

mercado das sensações, do empírico-

funcional, e, portanto, na in-transcendência.

E uma conclusão, que pode parecer

abrupta. Por vezes, há quem se espante

com a indiferença e a distância dos jovens

em relação à política. Seja-me permitido

espantar-me com esse espanto. Razão de

fundo – não a única, evidentemente, – para

esse distanciamento está em que o

espectáculo da política e dos políticos é

muitas vezes deprimente e pouco

recomendável. Não está a própria

Assembleia da República, por exemplo, a

sucumbir por vezes à falta de vergonha, à

má-criação?...

Com o fim do trabalho simbólico e o

império da imagem e da técnica, o mundo

humano vai definhando. Sem o símbolo,

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também não há lugar para a religião na sua

autenticidade e verdade. E corre-se o perigo

da idolatria.

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