sábado, 23 de agosto de 2025

Confiança sim leviandade não! - P. Manuel João Pereira Correia mccj

 Confiança sim leviandade não!

Ano C – 21.º Domingo do Tempo Comum
Lucas 13,22-30: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”

O Evangelho deste domingo lembra-nos que estamos a caminho com Jesus rumo a Jerusalém. Estar a caminho é a condição, o modus vivendi do cristão. “Não temos aqui uma cidade permanente, mas vamos à procura da futura” (Hebreus 13,14). Somos “estrangeiros e peregrinos” (1 Pedro 2,11). Peregrinamos em direcção a uma meta que está diante de nós, sempre “mais além”. Nunca podemos esquecer esta realidade essencial da vida cristã.

Pelo caminho o Mestre encontra muitas pessoas. Hoje alguém lhe pergunta: “Senhor, são poucos os que se salvam?”. Essa pessoa poderia ser um de nós. De facto, chama-o “Senhor”. Também nós consideramos importante a questão. Está em jogo, na verdade, a nossa salvação. Vejamos como Jesus responde a esta pergunta.

1. “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”

Esperávamos números ou percentagens, mas Jesus, como tantas outras vezes, recusa satisfazer a nossa curiosidade. Responder directamente poderia alimentar falsas seguranças, por um lado, ou incutir medo e desânimo, por outro. Como profeta, Jesus adverte os seus ouvintes: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque muitos, digo-vos, procurarão entrar e não conseguirão”! No texto paralelo de São Mateus lemos: “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ele. Quão estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que o encontram!” (Mt 7,13-14). Portanto, não só a porta é estreita, mas também é apertado o caminho que leva até ela!

Qual é a porta estreita? A Porta é Cristo (cf. Jo 10,7.9). Mas por que é estreita? Porque passa pela cruz. E é estreita não apenas no espaço, mas também no tempo. É uma porta que, mais cedo ou mais tarde, se fechará. Esta perspectiva leva o autor da Carta aos Hebreus a dizer: “Exortai-vos mutuamente, cada dia, enquanto dura este Hoje” (Heb 3,13).

Este trecho evangélico pode ser ainda iluminado pelo que Jesus disse após a recusa do chamado “jovem rico”: “Quão difícil é, para os que possuem riquezas, entrar no reino de Deus. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus!” (Lc 18,24-25; cf. Mc 10,23-25; Mt 19,23-24). Aqui fala-se em passar pelo “buraco de uma agulha”! Jesus usa uma hipérbole semítica: uma imagem propositadamente exagerada e paradoxal, para indicar o impossível. Alguns autores supõem que Jesus se referia a uma pequena porta secundária nas muralhas de Jerusalém, chamada “buraco da agulha”, tão baixa e estreita que um camelo só podia passar de joelhos e descarregado da sua carga. Mesmo que seja provavelmente uma elaboração simbólica tardia, a imagem é sugestiva. O camelo, animal ritualmente impuro, era símbolo da riqueza, do comércio e da abundância. Perguntemo-nos: o nosso “camelo” passará pelo “buraco da agulha”? Só tornando-se pequeno, ajoelhando-se e despindo-se o conseguirá!

2. “Não sei de onde sois”

“Quando o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, ficando de fora, começareis a bater à porta, dizendo: ‘Senhor, abre-nos!’. Mas ele responderá: ‘Não sei de onde sois’”.

Estamos diante de uma das palavras mais duras do Evangelho. São Lucas é o evangelista da misericórdia e da mansidão de Cristo, e contudo aqui Jesus surpreende-nos com uma linguagem demasiado drástica. Como conciliá-la com a parábola em que todos são convidados para o banquete: “os pobres, os coxos, os cegos e os aleijados” (Lc 14,15-24)? Procurávamos uma resposta tranquilizadora e, em vez disso, o Senhor abala as nossas convicções.

Jesus dirige-se aos seus contemporâneos, ao povo de Israel, mas São Lucas pensa nos crentes da sua comunidade, onde se instalou o laxismo, onde alguns se acomodaram julgando-se já “salvos”, com pleno direito de participar no banquete celeste.

Notemos bem: Jesus fala de nós, que escutámos a sua palavra, comemos e bebemos com Ele na mesa eucarística. Isto recorda-nos que não basta participar na Missa ou frequentar os ritos para sermos reconhecidos por Ele. É preciso reconhecê-lo também nas estradas da vida, no faminto, no sedento, no estrangeiro, no nu, no doente e no preso (cf. Mt 25,31-46).

Esta palavra de Jesus soa como uma ameaça, mas as “ameaças” de Deus existem para nunca se cumprirem! Têm como finalidade despertar-nos do torpor, recordar-nos a seriedade da vida e o sentido da responsabilidade! Portanto, confiança na bondade e misericórdia de Deus, SIM. Sempre e em qualquer circunstância! Facilitismo, NÃO! Nunca! Não existe um cristianismo de baixo custo! Negligência, leviandade e presunção de que “tudo correrá bem” à partida levam a construir a casa sobre a areia. A humildade e a prudência, pelo contrário, edificam-na sobre a rocha (cf. Mt 7,24-27).

“Afastai-vos de mim, todos vós que praticais a injustiça!”. Então acabou-se tudo? É a sentença final, irrevogável? Resta-nos a palavra de Jesus: “O que é impossível aos homens é possível a Deus” (Lc 18,27).

3. “E eis que há últimos que serão primeiros, e há primeiros que serão últimos”

Esperemos surpresas! Diz Santo Agostinho: “Naquele dia muitos que se julgavam dentro descobrir-se-ão fora, enquanto muitos que pensavam estar fora serão encontrados dentro”. Com espanto, alguns que julgávamos dos últimos vemo-los recebidos no Paraíso com tapete vermelho, enquanto nós teremos de nos tornar pequenos para conseguir passar pela portinha do “buraco da agulha”!

Para reflexão pessoal

Meditemos neste texto de São Paulo: “Cada um veja como constrói. Ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. E se, sobre este alicerce, alguém edificar com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um ficará à vista: o Dia a manifestará, porque se revelará no fogo, e o fogo provará a qualidade da obra de cada um. Se a obra resistir, receberá recompensa; mas se a obra de alguém se queimar, esse sofrerá prejuízo; ele, porém, será salvo, mas como que através do fogo.” (1 Coríntios 3,10-15)

P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
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