Confiança sim leviandade não!
Ano C – 21.º Domingo do Tempo Comum
Lucas 13,22-30: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”
O
Evangelho deste domingo lembra-nos que estamos a caminho com Jesus rumo
a Jerusalém. Estar a caminho é a condição, o modus vivendi do cristão.
“Não temos aqui uma cidade permanente, mas vamos à procura da futura”
(Hebreus 13,14). Somos “estrangeiros e peregrinos” (1 Pedro 2,11).
Peregrinamos em direcção a uma meta que está diante de nós, sempre “mais
além”. Nunca podemos esquecer esta realidade essencial da vida cristã.
Pelo
caminho o Mestre encontra muitas pessoas. Hoje alguém lhe pergunta:
“Senhor, são poucos os que se salvam?”. Essa pessoa poderia ser um de
nós. De facto, chama-o “Senhor”. Também nós consideramos importante a
questão. Está em jogo, na verdade, a nossa salvação. Vejamos como Jesus
responde a esta pergunta.
1. “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”
Esperávamos
números ou percentagens, mas Jesus, como tantas outras vezes, recusa
satisfazer a nossa curiosidade. Responder directamente poderia alimentar
falsas seguranças, por um lado, ou incutir medo e desânimo, por outro.
Como profeta, Jesus adverte os seus ouvintes: “Esforçai-vos por entrar
pela porta estreita, porque muitos, digo-vos, procurarão entrar e não
conseguirão”! No texto paralelo de São Mateus lemos: “Entrai pela porta
estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à
perdição, e muitos são os que entram por ele. Quão estreita é a porta e
apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que o encontram!”
(Mt 7,13-14). Portanto, não só a porta é estreita, mas também é apertado
o caminho que leva até ela!
Qual
é a porta estreita? A Porta é Cristo (cf. Jo 10,7.9). Mas por que é
estreita? Porque passa pela cruz. E é estreita não apenas no espaço, mas
também no tempo. É uma porta que, mais cedo ou mais tarde, se fechará.
Esta perspectiva leva o autor da Carta aos Hebreus a dizer: “Exortai-vos
mutuamente, cada dia, enquanto dura este Hoje” (Heb 3,13).
Este
trecho evangélico pode ser ainda iluminado pelo que Jesus disse após a
recusa do chamado “jovem rico”: “Quão difícil é, para os que possuem
riquezas, entrar no reino de Deus. É mais fácil um camelo passar pelo
buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus!” (Lc
18,24-25; cf. Mc 10,23-25; Mt 19,23-24). Aqui fala-se em passar pelo
“buraco de uma agulha”! Jesus usa uma hipérbole semítica: uma imagem
propositadamente exagerada e paradoxal, para indicar o impossível.
Alguns autores supõem que Jesus se referia a uma pequena porta
secundária nas muralhas de Jerusalém, chamada “buraco da agulha”, tão
baixa e estreita que um camelo só podia passar de joelhos e descarregado
da sua carga. Mesmo que seja provavelmente uma elaboração simbólica
tardia, a imagem é sugestiva. O camelo, animal ritualmente impuro, era
símbolo da riqueza, do comércio e da abundância. Perguntemo-nos: o nosso
“camelo” passará pelo “buraco da agulha”? Só tornando-se pequeno,
ajoelhando-se e despindo-se o conseguirá!
2. “Não sei de onde sois”
“Quando
o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, ficando de fora,
começareis a bater à porta, dizendo: ‘Senhor, abre-nos!’. Mas ele
responderá: ‘Não sei de onde sois’”.
Estamos
diante de uma das palavras mais duras do Evangelho. São Lucas é o
evangelista da misericórdia e da mansidão de Cristo, e contudo aqui
Jesus surpreende-nos com uma linguagem demasiado drástica. Como
conciliá-la com a parábola em que todos são convidados para o banquete:
“os pobres, os coxos, os cegos e os aleijados” (Lc 14,15-24)?
Procurávamos uma resposta tranquilizadora e, em vez disso, o Senhor
abala as nossas convicções.
Jesus
dirige-se aos seus contemporâneos, ao povo de Israel, mas São Lucas
pensa nos crentes da sua comunidade, onde se instalou o laxismo, onde
alguns se acomodaram julgando-se já “salvos”, com pleno direito de
participar no banquete celeste.
Notemos
bem: Jesus fala de nós, que escutámos a sua palavra, comemos e bebemos
com Ele na mesa eucarística. Isto recorda-nos que não basta participar
na Missa ou frequentar os ritos para sermos reconhecidos por Ele. É
preciso reconhecê-lo também nas estradas da vida, no faminto, no
sedento, no estrangeiro, no nu, no doente e no preso (cf. Mt 25,31-46).
Esta
palavra de Jesus soa como uma ameaça, mas as “ameaças” de Deus existem
para nunca se cumprirem! Têm como finalidade despertar-nos do torpor,
recordar-nos a seriedade da vida e o sentido da responsabilidade!
Portanto, confiança na bondade e misericórdia de Deus, SIM. Sempre e em
qualquer circunstância! Facilitismo, NÃO! Nunca! Não existe um
cristianismo de baixo custo! Negligência, leviandade e presunção de que
“tudo correrá bem” à partida levam a construir a casa sobre a areia. A
humildade e a prudência, pelo contrário, edificam-na sobre a rocha (cf.
Mt 7,24-27).
“Afastai-vos
de mim, todos vós que praticais a injustiça!”. Então acabou-se tudo? É a
sentença final, irrevogável? Resta-nos a palavra de Jesus: “O que é
impossível aos homens é possível a Deus” (Lc 18,27).
3. “E eis que há últimos que serão primeiros, e há primeiros que serão últimos”
Esperemos
surpresas! Diz Santo Agostinho: “Naquele dia muitos que se julgavam
dentro descobrir-se-ão fora, enquanto muitos que pensavam estar fora
serão encontrados dentro”. Com espanto, alguns que julgávamos dos
últimos vemo-los recebidos no Paraíso com tapete vermelho, enquanto nós
teremos de nos tornar pequenos para conseguir passar pela portinha do
“buraco da agulha”!
Para reflexão pessoal
Meditemos
neste texto de São Paulo: “Cada um veja como constrói. Ninguém pode
colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. E
se, sobre este alicerce, alguém edificar com ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um ficará à vista: o Dia
a manifestará, porque se revelará no fogo, e o fogo provará a qualidade
da obra de cada um. Se a obra resistir, receberá recompensa; mas se a
obra de alguém se queimar, esse sofrerá prejuízo; ele, porém, será
salvo, mas como que através do fogo.” (1 Coríntios 3,10-15)
P. Manuel João Pereira Correia mccj
p.mjoao@gmail.com
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