quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

O Homem e o Tempo - Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

 O Homem e o Tempo

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Porque estamos no Advento, que deveria

preparar para o Natal, fica aí uma breve reflexão

sobre o ser humano e o tempo. De facto, seria

tremendamente lamentável que este tempo se

reduza a compras compulsivas numa sociedade

de consumo materialista e, no limite, niilista e,

tanto quanto se pode observar, por isso mesmo,

profundamente infeliz e sem sentido.

Característica essencial do ser humano é que

conjugamos os verbos no passado, no presente e

no futuro.

Há quem julgue que a salvação está no

passado. Há sempre os saudosistas do passado:

antigamente é que era bom. É a saudade do

Paraíso perdido... Também há aqueles que não

querem preocupar-se nem com o passado nem

com o futuro. O que há é o aqui e agora, o

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presente a que se segue outro presente. A

salvação consiste no amor e fruição do

presente... Depois, há os sonhadores e os

ascetas. Fogem do agora, para refugiar-se no

amanhã. Nunca estão no presente, pois a sua

morada é só o futuro...

Ora, pensando bem, se, por um lado, não

podemos instalar-nos no passado, por outro,

nenhum ser humano pode abandonar o passado,

como se fosse sempre e só o ultrapassado. De

facto, quando demos por nós, já lá estávamos, o

que significa que vimos de um passado que nem

sequer dominamos. E temos de aprender com o

passado, nosso e dos outros, para, a partir dele,

nos decidirmos no presente.

Sim, é sempre no presente que vivemos, mas

também não é possível a simples instalação no

presente, pois só podemos viver no presente

projectando-nos constantemente no futuro. Na

bela expressão de Helena Buescu, “somos

herdeiros e futurantes”. O ser humano está

estruturalmente voltado para o futuro, já que é

constitutivamente um ser esperante.

Aqui, é necessário perguntar-se: não é a

esperança filha da infelicidade e do temor? É

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célebre a afirmação de Espinosa: "Não há

esperança sem temor, nem temor sem

esperança". O que é que isto quer dizer?

Vivemos voltados para o futuro, pois somos

projecto: agimos e somos, antecipando sempre.

Sem esta antecipação, não poderíamos agir

humanamente. Mas, por outro lado, não se pode

esquecer que realmente a esperança também

significa que, se desejamos, é porque não temos,

e isso implica que se não é feliz. E, depois,

quando temos, há sempre o temor de perder o

que temos, o que nos coloca em permanente

inquietação...

Viver humanamente não pode, portanto,

significar viver exclusivamente do futuro e para

o futuro, pois viver unicamente da esperança é

nunca viver, já que verdadeiramente só se vive

no presente. Viver unicamente da esperança

seria adiar constantemente a vida, no sentido do

viver. Aliás, colocar permanentemente o

presente ao serviço do futuro, vê-lo

exclusivamente em função do futuro, é abrir as

portas ao perigo da tirania: quantos homens e

mulheres não foram de facto vítimas do sonho

dos "amanhãs que cantam"?!...

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É isso: querer viver exclusivamente do

presente e para o presente não é humano, pois

isso significaria viver na imediatidade animal,

sem horizonte de futuro e transcendência. Mas,

por outro lado, quem quisesse viver

exclusivamente do futuro e para o futuro nunca

poderia afastar a dúvida de estar apenas a lidar

com as suas ilusões. Assim, a arte de viver

humanamente consiste em, a partir do passado,

viver com tal intensidade e dignidade o presente

que se torna legítimo esperar a vida plena

futura...

Nestes tempos de niilismo, com “sub-produção

de transcendência”, como se queixava Ernst

Bloch, o filósofo ateu-religioso da esperança,

temos de voltar ao Advento a caminho do Natal.

Advento é uma palavra que vem do latim e

quer dizer vinda, chegada: em sentido religioso,

é a chegada, a vinda de Deus: Ele veio e

mostrou-se em Jesus, Ele vem, Ele virá.

Herdeiros e sempre futurantes, face ao fim, só

resta uma alternativa, que já aqui por vezes

sublinhei:

Claude Lévi-Strauss conclui assim o

seu “L’homme nu”: "Ao Homem incumbe viver

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e lutar, pensar e crer, sobretudo conservar a

coragem, sem que nunca o abandone a certeza

adversa de que outrora não estava presente e que

não estará sempre presente sobre a Terra e que,

com o seu desaparecimento inelutável da

superfície de um planeta também ele votado à

morte, os seus trabalhos, os seus sofrimentos, as

suas alegrias, as suas esperanças e as suas obras

se tornarão como se não tivessem existido, não

havendo já nenhuma consciência para preservar

ao menos a lembrança desses movimentos

efémeros, excepto, através de alguns traços

rapidamente apagados de um mundo de rosto

impassível, a constatação anulada de que

existiram, isto é, nada."

A Bíblia, no seu último livro, Apocalipse, que

quer dizer revelação, conclui assim: “Vi então

um novo céu e uma nova terra.” “E vi descer do

céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova

Jerusalém”. E ouvi uma voz potente que vinha

do trono: “Esta é a morada de Deus entre os

homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu

povo e o próprio Deus estará com eles e será o

seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos

seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto,

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nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas

passaram."

Sábado, 29 de Novembro de 2025

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