domingo, 9 de novembro de 2025

O dia da purificação - Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj

 O dia da purificação

9 de novembro – Festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão
João 2,13-22: “Não façais da casa de meu Pai um mercado!”

Neste ano, o dia 9 de novembro cai num domingo; por isso, a Festa da Dedicação da Basílica de São João Batista em Latrão (Roma), celebrada neste dia, tem precedência sobre o XXXII Domingo do Tempo Comum.

Talvez, para a maioria dos cristãos, esta festa pareça anacrónica e distante, no tempo e no espaço; ou até mesmo inconveniente, por ser centralizadora, numa época em que se procura valorizar mais a Igreja local. No entanto, se considerarmos o seu sentido profundo — como sinal de unidade e comunhão, como cátedra do anúncio da Palavra recebida dos apóstolos e testemunhada pelo martírio de Pedro e Paulo — esta festa torna-se uma oportunidade unica para expressar a fé na “Igreja una, santa, católica e apostólica”.

As leituras bíblicas escolhidas para este dia desenvolvem o tema do “templo”. Na primeira leitura (Ez 47), o profeta Ezequiel, do exílio na Babilónia, procura encorajar o seu povo com a visão de um novo templo, coração pulsante de um novo Israel e fonte de vida extraordinária.
Na segunda leitura (1Cor 3), São Paulo passa do templo físico ao espiritual, recordando-nos que nos tornámos templo de Deus porque o Espírito Santo habita em nós.
Por fim, no Evangelho (Jo 2,13-22), por ocasião da primeira Páscoa do seu ministério, Jesus purifica o antigo templo e anuncia o novo templo na sua própria pessoa.

A “mãe de todas as igrejas”

Esta festa tem uma origem muito antiga. Depois do Édito de Constantino, no ano 313, que garantia a liberdade de culto no Império Romano e punha fim às perseguições contra os cristãos, o imperador doou ao Papa o palácio de Latrão e, alguns anos mais tarde, mandou construir uma igreja. Consagrada a 9 de novembro de 324 pelo Papa Silvestre I com o nome de Basílica do Santíssimo Salvador, foi a primeira igreja a ser publicamente consagrada.
Destruída várias vezes ao longo dos séculos, foi sempre reconstruída. Posteriormente, foi dedicada a São João Batista e também a São João Evangelista. A sua última reconstrução ocorreu sob o pontificado de Bento XIII, que a reconsagrou em 1724. Foi nessa ocasião que a festa foi instituída e estendida a toda a cristandade.

A Basílica é considerada a principal, “a mãe de todas as igrejas” do mundo. O seu nome completo é “Basílica Papal do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e Evangelista em Latrão”, embora seja geralmente chamada Basílica de São João de Latrão.

A “igreja das catacumbas”

Hoje gozamos do direito sagrado da liberdade religiosa e, das catacumbas da clandestinidade, podemos professar a nossa fé abertamente, à luz do dia. No entanto, esquecemos uma triste realidade: a “igreja das catacumbas” ainda existe!
O direito fundamental à liberdade religiosa é negado a muitos cristãos. Isto acontece em algumas nações muçulmanas e em tantas outras, onde grassam fundamentalismos islâmicos e hindus, ou onde se instalaram regimes autoritários, ateus ou comunistas. Um em cada sete cristãos ainda vive numa era pré-constantiniana e é vítima de abusos e perseguições. São forçados a professar a fé no medo, entre lágrimas e sangue.

Não podemos esquecer esta atual “igreja das catacumbas” quando nos reunimos para celebrar a Eucaristia. Infelizmente, isso acontece quase sempre. Ignoramos o seu sofrimento. Cristo Rei há de nos recordar: “Estive preso e não me visitastes!”

Igreja, lugar de encontro

Dedicar ou consagrar a Deus um lugar significa reservá-lo para a sua glória. Ali, nesse espaço físico, podemos fazer a experiência de Jacó: “Na verdade, o Senhor está neste lugar... Esta não é outra coisa senão a casa de Deus, esta é a porta do céu” (Gn 28,16-17). Ou a experiência do rei Salomão, por ocasião da consagração do templo, quando a Arca da Aliança foi introduzida no templo e a nuvem da glória do Senhor encheu o santuário (1Rs 8,1-11).

Lembremo-nos, contudo, de que o encontro com Deus agora acontece na pessoa de Cristo e na comunhão dos irmãos: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Não há encontro com Deus sem o encontro com os irmãos. É triste entrar nas nossas igrejas, meio vazias, durante a celebração eucarística, e constatar a dispersão física dos fiéis. A impressão é que cada um quer encontrar o “seu” Deus, evitando o encontro com o irmão. Esse tipo de religiosidade não é expressão da fé cristã!

Fora daqui!

O episódio da expulsão violenta dos vendedores de animais destinados aos sacrifícios e dos cambistas, em vista das ofertas para o templo, talvez já não nos impressione tanto. Mas esta ação extrema de Jesus, colocada pelo evangelista João no início do seu ministério, por ocasião da primeira Páscoa, deveria interpelar-nos. Esta manifestação de zelo e a consequente “purificação do templo” são válidas para todos os tempos. Valem para o templo físico das nossas igrejas, mas sobretudo para o templo espiritual do nosso coração, consagrado a Deus pelo batismo. As palavras de São Paulo na segunda leitura parecem ecoar a mesma indignação divina: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.”

Também no nosso coração muitas vezes se instalam vendedores e cambistas de todo o tipo. Predominam os nossos interesses, e negociamos com Deus. Do ambão da Palavra, quantas vezes Jesus não terá gritado também a nós: “Tirai daqui estas coisas e não façais da casa de meu Pai um mercado!”? Mas, frequentemente, fazemos ouvidos de mercador, ignorando o aviso de Jesus: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro!” (Lc 16,13).

A festa de hoje é uma excelente oportunidade para também nós tomarmos o chicote e expulsarmos os vendedores e cambistas que se apoderaram do nosso coração. 

Que o Senhor nos conceda que o zelo pela sua casa nos consuma!

Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj


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